Perdendo os traços de adolescente
Domingo, 25 de agosto de 2024, 17:00 na beira-mar de Fortaleza.
Os últimos dias têm sido carregados de fumaça e cinza.
Mesmo embaçando o céu da cidade, nem isso tirou a beleza do pôr do sol que esquenta a pele com o mormaço e o coração com o espetáculo.
Ainda assim, era um desses dias perfeitos em Fortaleza, que precisam ser aproveitados do primeiro ao último raio de sol. De preferência, onde ele podia ser melhor observado: na beira-mar.
E foi exatamente ela que me trouxe uma recordação especial.
No meio da caminhada no calçadão, enquanto tentávamos fazer o tempo passar mais rápido pelo cansaço que a falta de atletismo nos impôs, perguntei a ele se eu já havia mencionado que, durante a semana, ainda no auge dos meus 18-20 anos, fazia o percurso entre a minha casa e a beira-mar, de bicicleta.
Mesmo já sabendo que já trouxe o relato um cem número de vezes, percebi que ele respondeu com uma certa surpresa, acompanhada de uma compaixão própria de um filho que, pela milésima vez, ouve sua mãe repetir uma história cansada, mas que a faz sentir viva.
Senti vergonha por contar a mesma história, mas confesso que não me canso de lembrar dela por alguns motivos.
O primeiro: aprendi a conduzir a bicicleta muito tarde e precisava compensar todos os anos de infância passados sobre as 4 rodas daquela bicicleta roxa e adesivada com fotos das meninas superpoderosas. Agora seria diferente, coisa de gente grande, que anda pra onde quer.
O segundo: eu ainda não era habilitada para conduzir um carro sem que meus pais freassem no banco do carona. Logo, enquanto não soubesse dirigir bem, não poderia desfrutar da liberdade de ir para qualquer lugar que eu quisesse.
Mesmo sendo uma recém-formada na condução das duas rodas e ainda precisando aprimorar as habilidades de ciclista, era essa bicicleta que me permitia desfrutar de toda a liberdade que eu, enquanto uma jovem adolescente, urgia em experimentar.
Tudo nesse contexto me dava a sensação de liberdade: o banco exclusivo do ciclista, sem nenhum carona; as mãos sobre o guidão, o qual eu buscava controlar com o máximo de cuidado e responsabilidade; a condução a céu aberto, com o vento fresco da tarde alisando o meu rosto. E, claro, para coroar esse momento, chegando na beira-mar, o bom banho de mar com um pôr do sol em tons de roxo, azul e laranja.
Sempre que lembro desses momentos, tento conter o sorriso que, teimoso, insiste em aparecer, como que pedindo a aventura em “bis”.
Acontece que, hoje, olhando para trás, ao mesmo tempo em que sinto vontade de repetir o trajeto, me pergunto o que raios eu tinha na cabeça para passar por tanto perigo. Afinal, os louros vinham acompanhados de um trânsito pesado e do perigo iminente de atropelamento, para o qual eu não dava a mínima naquela época.
Pensando bem, como repetem por aí na mais nova trend, estou perdendo meus traços de adolescente.
O desejo de liberdade ainda existe aqui, mas não com a mesma urgência de ser experimentado com risco. O trajeto que antes percorria sozinha, hoje faço acompanhada e, devo dizer, prefiro assim.
Afinal, a única coisa que mudou foi o meio que me leva até esse lugar.
De resto, o mesmo pôr do sol e o mesmo mar me recebem todas as vezes, como quem deixa as portas abertas para quem é de casa entrar.